“Este projeto de cidade implica a direta e imediata apropriação da cidade por interesses empresariais globalizados e depende, em grande medida, do banimento da política e da eliminação do conflito e das condições de exercício da cidadania”.

Imagem IAB/RS

A citação é do artigo “Pátria, empresa e mercadoria”, de Carlos B. Vainer, escrito em 1999 e apresentado, inicialmente, no VII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, em Porto Alegre. (cópia integral aqui, para quem se interessar. Livro “A Cidade do Pensamento Único – desmanchando consensos. Ed. Vozes, 2002)

Praticamente há um quarto de século e vemos que o projeto ideológico que o atual comando da prefeitura de Porto Alegre (na verdade, já iniciado na gestão anterior) é exatamente esse: permitir a apropriação da cidade por interesses empresarias dos mais variados setores: concessões de espaços públicos (parques e praças), venda de empresas públicas (DMAE e Carris) e as modificações no Plano Diretor que permitem, nas palavras da Nota Pública do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio Grande do Sul (IAB-RS) questionar se esse projeto de cidade irá “conduzir Porto Alegre rumo ao futuro ou ao passado”.

Segundo Vainer, esse modelo de cidade é fruto de pensamento do final do século XX, “inspirado em conceitos e técnicas oriundos do planejamento empresarial […] o planejamento estratégico deve ser adotado pelos governos locais em razão de estarem as cidades submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas” e de um “total comprometimento de agências de cooperação e instituições multilaterais em sua difusão e de seus conceitos básicos”.

Porto Alegre, de forma bastante anacrônica, posto que o modelo, além de antigo, já se encontra em vias de superação em todo o mundo, tenta, por força da pressão empresarial, implantar um projeto de cidade em benefício de poucos.

A citada “eliminação das condições de exercício da cidadania” é visível no esvaziamento dos Conselhos Municipais e, mais pertinente ao caso, do CMDUA (Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental) (ver artigo de Luciano Fedozzi, Su21) e as alterações promovidas no Plano Diretor de Porto Alegre, que se encontra em fase de revisão e, também, do esvaziamento do Orçamento Participativo.

Para além de contrariar a legislação vigente e revelar “uma cidade sem rumo, sem respeito ao patrimônio cultural edificado” (IAB-RS) e muito além do projetado prédio na Av. Duque de Caxias, o que estamos presenciando é um acelerado regressso ao passado, promovido por administrações municipais finananciadas, em suas campanhas, pelos interesses empresariais e cujo objetivo maior é concretizar um projeto de gentrificação, entregando as “zonas nobres” da cidade para a iniciativa privada. Ou, como escreve Borja & Forn, citados por Vainer “A mercadotecnia da cidade, vender a cidade, converteu-se […] em uma das funções básicas dos governos locais…” (grifo original). Isso escrito em 1996.

Porto Alegre transforma-se, a passos largos, numa cidade anacrônica, voltada para o passado.

É necessário mais que movimentos ambientalistas – que defendem apenas parques e árvores (que são importantes, por óbvio). É preciso ir além e incentivar movimentos mais amplos, que pensem um projeto de cidade para o futuro. Mas não esse futuro do passado como quer a administração atual, mas um futuro onde teremos uma cidade saudável, inclusiva, participativa e voltada para todos os porto-alegrenses.

Imagem de capa: reportagens do Sul21 (aqui e aqui)

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