Das tarefas que a vida nos dá, quiçá a mais difícil é ser pai. Depois, claro, da tarefa ser mãe. Mas hoje não é o dia delas. Assim que, me perdoem as mães, mas o post é sobre nós, os pais.

E sobre um em especial: eu.

Praticamente, não tive modelo de ser pai. O meu faleceu quando eu tinha 15 anos. E até hoje não cheguei a conclusão se os quinze anos foram bons ou ruins. Outros tempos, outros contextos, outra sociedade.

Imaginem, para os que não sabiam, mas no meu tempo de criança havia uma revista, Pais e Filhos, que vinha com um encarte lacrado, somente para os pais. Algo inimaginável nos tempos da internet e tiktoks da vida.

Naqueles tempos, a separação era clara: criança era criança, adolescente era adolescente e adulto era adulto. Não se misturavam. Ponto. Sem discussões. Não existiam “direitos”. Crianças e adolescentes só tinham obrigações. E uma cega obediência aos mais velhos, a começar pelos pais.

O chinelo e o cinto corriam soltos. Era bom não arriscar. Comportamento era tudo. Ditado pelos pais, claro. O roteiro também estava escrito: estudar, trabalhar, casar, ter filhos e almoçar na casa dos pais aos domingos.

Fiz de tudo para fugir do padrão esperado. E hoje, pensando bem, fiz exatamente tudo que o padrão exigia. Inclusive, imagino, não ser o pai esperado.

Se o modelo teria sido bom ou não, não sei. Mas creio que a falta dele não foi boa. Bem ou mal, ter um modelo serve de referência. Sem as referências, somos obrigados a “ir levando” do jeito que dá. Com referências, temos fundamentos para contrariar ou seguir.

A rigidez me obrigou a desenvolver um certo senso de rebeldia. Fazia tudo escondido, fugia de casa para fazer coisas proibidas, roubava cigarros dos maços do meu pai e fumava escondido, roubava fatias de presunto da geladeira, subia em árvores, fui proibido pelo padre diretor da escola onde estudava de frequentar a missa na capela da escola (mal sabe ele o bem que me fez) por estar lendo o “catecismo” durante a missa, fui diretor cultural do grêmio estudantil, pegava o carro do meu pai, também escondido, e ficava dirigindo (aprendi a dirigir sozinho assim), cherei lança-perfume em vários carnavais (saudades. do lança e, pensando bem, dos carnavais daquela época), fui preso (e pra algo serviu ser filho de quem eu era), ia pra zona sozinho, namorava várias meninas ao mesmo tempo, vivia de castigo. E, claro, não conseguia evitar a bunda vermelha e dolorida de vez em quando.

Meu maior contato era, naturalmente para a época, com a mãe. Pais eram figuras distantes. Provedores e aplicadores da lei caseira.

Me fiz pai sozinho. Apenas com um sentido: ser um pai diferente. Um pai presente, parceiro, participante da vida das filhas (tenho duas). Tudo quanto eu não tive.

Sempre julguei meu pai como um homem da época. Nunca o culpei por nada. Fez o que sabia fazer, o que era o fazer da época. Guardo poucas lembranças e talvez a mais significativa tenha sido ter feito, com quinze anos, a identificação do corpo, no hospital. E ter dado um beijo na testa já fria. E de, pela primeira vez na vida, sentir a dúvida do que fazer. Não saber o que fazer diante de um corpo do pai morto. Primerio, que me lembre, e último beijo que dei no meu pai. E de ter contado para a minha mãe e minha irmã que ele havia morrido. E de ter viajado oito horas, em um jatinho, com os pés em cima do caixão. Não havia espaço.

E dizer que a família queria me proibir de acompanhar o enterro. Não era coisa para adolescentes participarem. Que tempos, que tempos…

Aprendemos a nos proteger da vida, mas não aprendemos a ser pai. Proteger-se da vida e ser pai muitas vezes gera conflitos. E aí podemos conduzir o “ser pai” de uma forma que talvez não seja a melhor, se é que existe uma melhor forma de ser pai.

Quiçá eu não saiba, até hoje, o que é ser pai. Talvez tenha seguido o roteiro para ser pai. Provedor e aplicador das leis da família?

Não sei o que as minhas filhas carregarão de mim. Se um beijo na minha testa fria ou se o perdão ou a gratidão pelo pai que fui.

Das tarefas que a vida nos dá, quiçá a mais difícil é ser pai.

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