Professor Raimundo

Com dez anos dei minha primeira “aula”. Um amigo e colega andava mal nas notas de matemática. Como era bem conhecido, na escola, que eu era um bom aluno de matemática, a mãe do meu amigo, um tanto desesperada ante a possibilidade do filho rodar, me pediu que o preparasse para a prova decisiva.

Descobri um dom que oficialmente nunca pude utilizar. Meu amigo passou de ano e, como presente, ganhei da mãe dele um time de botão. Que guardo comigo até hoje.

Quando entrei na Faculdade de Física, logo no segundo semestre consegui uma bolsa monitoria, onde, mais uma vez, me vi frente com ensinar. Além de ajudar os bichos a resolverem problemas e ensinar o que não haviam entendido, por várias vezes substituía a professora no horário normal de aula.

Pelos dez anos seguintes enveredei pelo caminho das aulas particulares. Física e Matemática, para alunos do Fundamental e do Médio (na época, pra quem lembra, eram outros os nomes), além de preparar para o vestibular.

Nos últimos quinze anos tenho me dedicado a uma forma de ensino chamada, de forma pernóstica pelos picaretas, de “capacitação”. Educação para o trabalho. Ensinar pessoas como se deve trabalhar.

Sem falsa modéstia, tenho o dom. Então, por que não sou professor?

Por uma simples razão: não tive coragem para ser professor. Só dom e amor não bastam. Há que ter coragem, no Brasil, para ser professor.

Há que ter coragem para enfrentar uma vida de dificuldades, com salários que não permitem sonhar mais do que sobreviver, dia após dia, com um pouco de dignidade.

Há que ter coragem para enfrentar uma vida vendo as injustiças que teus alunos, quando viram – graças a ti – “autoridades” cometerem contra ti.

Há que ter coragem para enfrentar a si mesmo, quando pensa que a realização é o que basta. Mesmo sabendo que isso não é toda a verdade.

Há que ter coragem para aceitar viver em um país onde um “condutor de veículo de ascensão vertical”, tão servidor público quanto um professor, ganha mais de 20 mil reais, enquanto tu tens que fazer greve para conseguir um piso indigno…

Há que ter coragem para negar coisas para os filhos e explicar-lhes que não pode fazer mais porque é professor.

Há muito mais coisas que todos os professores sabem quais são…

Mas há uma que admiro: há que ter coragem.

Por isso não sou professor.

Luiz Afonso Alencastre EscosteguyO ChatoCom dez anos dei minha primeira 'aula'. Um amigo e colega andava mal nas notas de matemática. Como era bem conhecido, na escola, que eu era um bom aluno de matemática, a mãe do meu amigo, um tanto desesperada ante a possibilidade do filho rodar, me pediu que o...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!