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Acordo todos os dias às cinco horas da manhã. Vou direto para a cozinha e coloco a água do chimarrão para esquentar. Quatro minutos no micro-ondas. Nesse meio tempo, vou ao banheiro. Termino de preparar o chimarrão, dou o primeiro gole e, em seguida, a primeira longa tragada do primeiro de muitos cigarros do dia.

Ligo o computador e fico navegando até às seis e meia. Meu intestino tem um relógio, não há como passar dessa hora. Tomo banho, me arrumo, preparo meu lanche e fico esperando pela mulher e filha.

Às sete e vinte saio para tirar o carro da garagem. Espero até às sete e meia, quando elas chegam. Levo a filha na escola, espero e depois levo a mulher para o trabalho.

Faça chuva ou faça sol, o caminho é sempre o mesmo. Cruzo pelos mesmos ônibus e até pelos mesmos carros. Já notei isso, pois tenho o hábito de ficar lendo as placas para encontrar datas. Ou coincidências, como placas com a mesma dezena final. Pode não parecer, mas quando a gente começa a observar, as coincidências começam a aparecer.

Chego no trabalho invariavelmente às oito e cinco. Ligo o computador, começo a comer o lanche, sempre dois farroupilhas. Passo o dia resolvendo sempre os mesmos problemas, reunindo com as mesmas pessoas e trabalhando na sala com as mesmas pessoas. As conversas são sempre sobre os mesmos assuntos. Reclamo das mesmas coisas.

Almoço sempre à uma da tarde. Vou sempre no mesmo restaurante e como sempre a mesma comida. E sempre levo vinte minutos. Volto, escovo os dentes e sigo resolvendo os mesmos problemas, reunindo com as mesmas pessoas e trabalhando na sala com as mesmas pessoas. As conversas são sempre sobre os mesmos assuntos. Reclamo das mesmas coisas.

E assim a tarde passa até às cinco horas, quando pego o carro, sigo pelas mesmas ruas e vou buscar a mulher no trabalho. E vamos buscar a filha na escola, pelas mesmas ruas. Estaciono no mesmo lugar e espero os mesmos dez minutos todos os dias.

Beijo minha filha e ela entra no carro, sempre pelo mesmo lado. E faço a mesma pergunta: colocou o cinto? E ela me dá a mesma resposta: sim.

Vamos para casa pelas mesmas ruas. Chegamos em casa invariavelmente às dez para as seis. Solto minha pasta sempre na mesma cadeira da sala, guardo a carteira na gaveta e vou direto para a cozinha lavar a louça que ficou da noite anterior.

Depois vou para o quarto, troco de roupa e vou para o escritório. Ligo o computador e fico navegando até às nove. Saio e vou preparar o jantar. Encho um copo com água, janto e me recosto na cama para ver algum programa na televisão. Invariavelmente capoto recostado. Quase sempre minha mulher tira meus óculos e durmo até o dia seguinte.

No outro dia, acordo todos os dias às cinco horas da manhã. Vou direto para a cozinha e coloco a água do chimarrão para esquentar. Quatro minutos no micro-ondas… Tem sido assim pelos últimos doze anos.

Um dia não vou acordar às cinco da manhã, não vou tomar chimarrão, não vou ver minha mulher e minha filha, não vou me reunir com as mesmas pessoas e conversar sobre os mesmos assuntos. Sequer terei do que reclamar. Não verei os mesmos ônibus e não brincarei de ler placas.

Vivo, ao longo desses doze anos, com a sensação de que estou perdendo algo. É, acho que vou começar a acordar às quatro e meia…

Luiz Afonso Alencastre EscosteguyO ChatoAcordo todos os dias às cinco horas da manhã. Vou direto para a cozinha e coloco a água do chimarrão para esquentar. Quatro minutos no micro-ondas. Nesse meio tempo, vou ao banheiro. Termino de preparar o chimarrão, dou o primeiro gole e, em seguida, a primeira longa tragada do...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!