O que mais marca uma infância e até a tal da pré adolecência?

No meu caso foram as palavras. Tenho traumas ainda hoje, quando me deparo com uma desconhecida.

Nada me assustava mais que ouvir uma palavra nova. E os adultos da minha infânica eram fartos delas. Sonhava com as palavras. E não podia perguntar, pois eram “palavras de adultos”. Muitas, diziam, eram palavras feias, não deviam ser ditas por crianças. Sim sou do tempo que crianças não tinham direto a nada além de serem crianças.

Cresci e virei viciado em dicionário. Taí uma palavra que desconheço: uma para viciado em dicionário. Medo. vou sonhar que estou lendo um dicionário.

Mas o pior estava em descobrir que uma palavra podia significar mil coisas diferentes. A mesma maldita palavrinha. Comecei a ter pesadelos com contexto, entonação, acentos, sentimentos na hora da fala e tantas outras coisa que uma simples palavra podia carregar. E antes de começar a sentir raiva das palavras entendi que era melhor ser amigo delas.

Claro que tomei paixão por algumas: alhures, linda! Amo! Já escrevi sobre ela, alhures! Querem algo mais bonito que uma quiçá dita no momento certo? Um fora da amada ao convite para sair com um “quiçá” é mais apaixonante ainda. Mulheres que usam quiçá carregam, em si, os mistérios do mundo. Os tais de “pode ser”, “quem sabe” ou “vamos ver”, são a ralé das expressões. E os usos do verbo soer? Sói acontecer! Saída mais pela tangente impossível! Repreendido pela cagada feita, nada melhor que um sói acontecer!

Deu chabú. O fudeu moderno. Essa foi outra grande descoberta sobre os usos das palavras: palavras que originalmente descrevem coisas boas para significar coisas ruins. Foder é bom. Fudeu é ruim. Caralho deixou de ser, há tempos, o instrumento masculino de poder, para ser uma interjeição, que tanto pode ser para expressar algo bom quanto algo ruim.

Década de sessenta do já século passado. Sociedade brasileira. Uma das palavras que jamais vou esquecer é pederasta. Ninguém nunca me explicou o que era. Era um tabu (outra que só fui entender depois de muita pesquisa). Sempre que a ouvia, vinha carregada de algo que me fazia perceber, sem entender claro, que era algo bestial, desprezível.

Outros tempos, outras palavras. Muitas. Nem caberiam aqui, de tantas que são. Aliás (adorável um aliás), quando me interei de que a língua portuguesa tem mais de 420 mil palavras, comecei a me sentir um parvo. Isso mesmo, atoleimado.

Enfim, vou parar por aqui, antes que escreva a mais linda palavra da língua portuguesa. Quando era criança me disseram que era um dos piores palavrões, embora seja o que mais os homens querem nas mulheres…

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