pessoas

Das poucas coisas dolorosas que guardo do meu tempo de criança, quiçá uma das maiores eram as palavras.

Isso em tempos que crianças sequer podiam estar em locais onde adultos conversavam, pois as palavras usadas não eram permitidas às crianças (será que o Caetano vai reclamar dessa crase?).

Não as tais “de baixo calão”, mas as de significado absolutamente incompreensíveis. Algumas delas permanecem até hoje ocultas em sua razão de ser.

Pederasta, por exemplo. Ouvia muito isso em casa. Tinha apenas a compreensão de que era algo muito ruim, mas muito mesmo, alguém ser essa coisa. Claro que ninguém nunca me explicou o que era. Recordo de, aos catorze anos, ter sido proibido de andar com um amigo, pois era considerado, pelos meus pais, um pederasta.

Vim a conhecer algo próximo quando, já adolescente (aos catorze, naquela época, ainda éramos considerados crianças), aprendi a palavra “viado”. E, depois, a forma um pouco mais suave “bicha”. Mas bicha era diferente de viado. Bicha admitia adjetivos, como bicha louca, bicha tresloucada, bicha vadia e por aí vai. O mesmo servia para sapatão, que a gente percebia carregar um conteúdo altamente ofensivo.

[por falar em sapatão, devo confessar que naquela época ser sapatão era algo infinitamente pior que ser viado ou puta. Ser viado ou puta era motivo de crítica e preconceito, mas sapatão era algo a ser execrado.]

Viado era viado, bicha era bicha. E pederasta seguia na minha cabeça, sem significado…

Já adulto,começaram a usar a palavra “gay”, obviamente importada dos movimentos norte-americanos, lá pela década de setenta do século passado. E as tais “sapatonas” viraram “lésbicas”.

Um pouco mais adiante no tempo, surgiu a palavra “homossexual”, depois adaptada para “homoafetivo”. E as pessoas deixaram, em parte, a referência pessoal para adotar a referência da relação; relação homossexual ou relação homoafetiva (dane-se a reforma gramatical, já passei por três e não aprendi a escrever em nenhuma delas).

Ainda hoje usamos os prefixos “hetero” e “homo” para definir pessoas.  Mas já começamos, ao menos, a mudar isso.

Não mais palavras, mas a expressão “do mesmo sexo”. Falamos em casamento de “pessoas do mesmo sexo”.

Resta uma palavra, do meu tempo de criança, que até hoje não entendo o significado – e pelo que vejo grande parte ainda não entende – e que é “pessoa”.

Por que ainda não usamos “relação entre pessoas”, “casamento entre pessoas” ou qualquer coisa similar?

Talvez porque pessoa seja uma palavra muito complicada…

Luiz Afonso Alencastre EscosteguyO ChatoDas poucas coisas dolorosas que guardo do meu tempo de criança, quiçá uma das maiores eram as palavras. Isso em tempos que crianças sequer podiam estar em locais onde adultos conversavam, pois as palavras usadas não eram permitidas às crianças (será que o Caetano vai reclamar dessa crase?). Não as tais...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!