“Sou dono de uma garagem por onde passam, diariamente, algo em torno de 200 automóveis. A maioria deles permanece o tempo suficiente, alguns o dia todo, para que eu possa tirar, de cada um, apenas um litro de gasolina. Se fizer isso apenas uma vez por mês, não preciso me preocupar em abastecer meu próprio carro.”

Uma segunda situação: cidadão, proprietário de pequena gleba de terras às margens de um grande rio, resolve construir ali uma casa para “veraneio”. Começar por desmatar as margens do rio (matas ciliares). Nesse meio tempo, é descoberto e chamado pelas autoridades a assumir um compromisso de não prosseguir com o desmatamento e com a construção da casa, sob pena de ser acionado na Justiça. O cidadão assina o termo, volta para suas terras e…? Constrói a casa.

Descoberto novamente e questionado pelas autoridades da razão pela qual desrespeitou o compromisso assumido, responde: – ah! Nunca aconteceu nada, porque justo agora iria acontecer?

O primeiro caso, apesar de fictício, é muito provável. O segundo caso é verídico. O que impediria esses sujeitos de fazer isso? Ou, dito de outra forma, o que os faz se comportarem dessa maneira? O que há de comum nessas pessoas?

A resposta para a primeira é a crença em alguns valores estabelecidos pela humanidade como fundamentais para a convivência harmoniosa entre os seres humanos. A resposta para a segunda e terceira perguntas, diferentemente do que se poderia pensar, não é a falta desses valores, mas a existência de um outro: a impunidade.

Pode parecer estranho, pois, em si, impunidade não é um valor; ou não era, até bem pouco tempo. Mas tornou-se um valor e um valor amplamente transmitido justamente por aqueles que deveriam “zelar” para que isso não acontecesse.

O que tudo isso tem a ver com o meio ambiente? Tudo! A certeza da impunidade tornou-se um valor corrente entre aqueles que degradam a natureza. E poucas são as ações dos órgãos governamentais para mudar esse quadro. E o que deve ser feito para mudar essa situação?

Duas ações: investimento em fiscalização e educação ambiental. É sabido que os órgãos encarregados da fiscalização do cumprimento da legislação ambiental são “pobres”, isto é, não possuem a infra-estrutura necessária (pessoal, material e equipamentos) para realizar suas atividades que, no mais das vezes, cobrem extensas áreas. O governo brasileiro, união e estados, investe muito pouco nessa área. Mas a fiscalização atinge apenas o que está feito ou, no máximo, evita algum problema maior.

E fiscalização, por mais eficiente que seja, poderá mudar apenas o comportamento das pessoas, por medo da punição. Mais, certamente cessada a causa, cessará o efeito. Assim que o proprietário da terra perceber que a fiscalização deixou de atuar, ele voltará a cometer ações degradadoras. Por quê?

Porque o que realmente importa mudar são as crenças e os valores dessas pessoas e não o comportamento. Mude-se as crenças e os valores de alguém e esse alguém mudará o comportamento. Bem sei que o senso comum considera essas palavras como sinônimas. è importante, no entanto, diferenciá-las para que se possa atingir o cerne da questão que são as crenças e os valores, que fazem parte da atitude e não do comportamento das pessoas.

E crenças e valores só se muda com educação. Aqui nos deparamos com dois problemas: como pessoas que não possuem determinadas crenças (por exemplo, a crença de que faz parte da natureza) ou valores (por exemplo, o valor de que preservar a natureza é algo bom para todos) podem transmitir essas crenças e valores, levando-se em conta que cabe à família, primordialmente, a educação das crianças?

Por outro lado, o que esperar de um sistema educacional falido? Tomados os resultados do último Enem (notícia), recentemente divulgados, podemos inferir que, se os alunos não sabem muita coisa, é porque os professores ou não sabem também, ou não sabem ensinar. Como fazer, então, se sequer os conteúdos tradicionais são ensinados ou aprendidos de forma satisfatória, para transmitir crenças e valores capazes de formar uma geração de novos seres humanos, de seres humanos “ecoconscientes”?

Por fim, segundo estudo publicado no final de 2006, pelo Instituto Mundial de Pesquisa de Desenvolvimento Econômico, da Universidade da ONU (Wider-unu, na sigla em inglês), 2% das pessoas possuem a metade da riqueza do mundo. Uma das caracteristicas apontadas no estudo, é que nos países em desenvolvimento (incluindo o Brasil) esses ricos são majoritariamente proprietários de terras que utilizam para agricultura e pecuária, isto é, atiividades sabidamente contribuidoras para o aquecimento global.

Como fazer para mudar as crenças e os valores dessa gente que, repito, tem a metade da riqueza do mundo? Senão mudarmos, de um jeito ou de outro, o crime continuará a ser perfeito.

Imagem: Beija-flor (Silfo-da-cauda-longa). Foto de Luis A. Mazariegos para a National Geographic.

Luiz Afonso Alencastre Escosteguyeducação ambientalPara pensar'Sou dono de uma garagem por onde passam, diariamente, algo em torno de 200 automóveis. A maioria deles permanece o tempo suficiente, alguns o dia todo, para que eu possa tirar, de cada um, apenas um litro de gasolina. Se fizer isso apenas uma vez por mês, não preciso...Antes de falar, pense! Antes de pensar, leia!